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Jasmim-do-Cabo - Raquel Naveira

Todo jardim deveria ter um jasmim-do-cabo,
aquela flor que perfuma,
embalsama,
derrama óleo grosso
nos pés da noite.
Todo jardim deveria ter um jasmim-do-cabo,
o dia transcorreria em agonia,
mas a lua viria
desatar os laços da magia
e nos tiraria o fôlego.
Todo jardim deveria ter um jasmim-do-cabo,
absorveríamos no pulmão
uma torrente de pétalas brancas
e voaríamos como anjos
tocando banjos na noite.

Burca - Raquel Naveira

Há uma mulher por dentro da burca,
Estranha veste que envolve o corpo
Como um capuz,
Um casulo,
Um enorme grão.

A mulher por dentro da burca
Espia o mundo
Por uma janela quadriculada,
Vê sem ser vista,
Boca calada.

A mulher por dentro da burca
Busca a estrada,
A repisada trilha dos camelos
Rumo ao oásis,
Mas seu caminho se bifurca
Entre o amor e a morte.

A mulher por dentro da burca
É vulcão,
Em suas mãos,
Em sua nuca,
Escorre larva quente;
Gota de fogo é o seu coração.

A mulher por dentro da burca
Tem algo de verme,
De serpente,
De pássaro,
É feita de neblina
A sua face triste.

Por dentro da burca
O medo sufoca,
A mulher segue a procissão
Com passos lentos,
Não permaneceria imóvel
Assistindo a procissão passar.

Por dentro da burca
A opressão enforca,
A mulher,
De costas viradas ao sol,
Enxerga sua sombra.

Por dentro da burca
A louca caminha pela praia,
A maré alta apagará suas pegadas.

A burca azulada como o céu
Torna a mulher
Invisível.

Camalotes - Raquel Naveira

Na cheia
Os camalotes bóiam,
Estufados corpos aquáticos
Que a correnteza leva;
Conjunto de leques duros,
Verdes,
Que se dissolvem no silêncio;
Aqui e ali um buquê de flores
Arrebenta lilás;
A malha fina de raízes
Apanha peixes,
Escamas,
Pés delicados de pássaros que pousam;
A canoa de folhas
Navega sem leme
Rumo à foz,
À pedra,
Ao mar que espreme
E espuma.